Sem ter muito que fazer no trabalho, na segunda-feira, após ler os jornais do fim de semana, resolvi entrar no site da TV Brasil para dar uma olhada nos programas. Um dos primeiro que atentei foi o Roda Viva - que na verdade é produzido pela TV Cultura.
Na noite de segunda-feira o entrevistado seria um filósofo-psicanalista esloveno de nome complicado, Slavoj Žižek. Resolvi dar uma olhada.
Após assistir o texto de apresentação no primeiro bloco daquele programa, gravado no dia 13 de outubro do ano passado, que destacava o fato de que para ele a esquerda deveria passar a acreditar o sistema capitalista como algo insuperável, não tive muita vontade de assistir.
Pois bem, prometi a mim mesmo a ver só o primeiro bloco para ter uma noção das críticas que ele faria. Eu acredito que é importante saber quais os argumentos dos que criticam a “esquerda”, e qual a esquerda é criticada, para não ficar preso a uma bolha de vidro achando que se possui uma verdade absoluta. Caso haja algo discutível, que se contraponha com argumentos marxistas.
Entretanto, o primeiro bloco não me mostrou o que imaginaria que ele fosse: mais um dos que se desiludiu com a idade e com a luta e prefere criticar em seus escritórios os que a fazem. Nem a tal afirmação de que o capital é insubstituível foi declarada por ele, ao menos não vi.
Caso tivesse condições para rever a entrevista, o faria. Até mesmo para prestar mais atenção desde o início no que ele dizia e poder captar pontos mais críticos. Como não posso fazer isso, passo a discutir alguns pontos que o lembro ter falado e que podem gerar um debate bastante interessante.
As perguntas foram feitas por jornalistas, psicanalista, um filósofo da USP e pelo sociólogo Emir Sader. É bom explicar também que ele se considera, em algumas coisas, marxista e é estudioso de Lacan, aprendiz e sucessor de Freud.
ESQUERDA HOJE
Em algum momento, o eslovaco exemplifica com a esquerda e a direita para falar sobre a teoria da “paralaxe”, termo que vem da Física e se refere ao fato de que em duas posições diferentes, o homem vê um objeto sob diferentes formas. Assim, só quem faz essa diferenciação entre direita e esquerda seriam os próprios elementos de cada um, a fim de se contrapor ao outro grupo.
Enfim, o que importou mesmo nessa discussão foi quando ele disse: “direita e esquerda, se é que isso ainda existe”. Ah, na apresentação do programa também havia uma citação dele em que dizia que “com a esquerda que se tem hoje, não se precisa de direita”. Esse sim é o nosso primeiro ponto.
Já li artigos e reportagens sobre partidos europeus ditos socialistas que apóiam coisas estranhas, como a xenofobia ou, no caso do partido socialista francês (não sei se havia uma diferenciação nele, como PSB e PPS aqui), defendia o neoliberalismo porque assim o mundo todo, via globalização, estaria unido (!).
Aqui no Brasil, após o governo Lula, mal temos uma oposição. Afinal, com a continuação do projeto neoliberal iniciado com Collor e aumentado com FHC, não teria porque DEM e PSDB colocar tanta pressão assim.
Quanto à esquerda ocupando cargo político, algo que discordo, temos um filhote do PT, o PSOL que, em algumas partes do Brasil anda defendendo coisas estranhas ou fazendo coligações problemáticas (como a com o PV em Porto Alegre, recebendo dinheiro do Grupo Gerdau).
Além disso, também é fato que a esquerda, devido a uma série de coisas, em especial manobras por parte dos próprios capitalistas nas últimas décadas (que força à classe trabalhadora lutar mais para manter direitos do que por algo maior) fizeram com que o objetivo de uma transformação social radical vinda das classes exploradas não ficasse na pauta do dia, mesmo com uma crise tão grave como a atual.
Ah, existe o PSTU como algo mais próximo ao que imagino que possa ser um partido revolucionário. Mas, por enquanto, acredito só nessa proximidade e, por exemplos de atuação mais próximos que vi e de coisas que ouvi, tenho lá minhas dúvidas.
A própria idéia de partido é algo com que tenho que estudar mais para entender. Por hoje, posso dizer que consegui diminuir bastante o preconceito que tinha com eles (o[s] que se propõe[m] a fazer uma revolução), mas as críticas, agora mais de práxis (teoria aplicada na prática) continuam existindo.
ATUAL PROLETARIADO
Passado esse ponto, outra coisa interessante dita foi sobre como o filósofo entendia o "proletariado". Para ele, essa categoria devia ser um pouco modificada para se adequar aos dias atuais. Ele cita o exemplo de alguém que trabalha para criar programas para a Microsoft, o que esse sujeito faz não é para ele, é para que a empresa atinja o lucro, assim como o operário de Marx.
Lendo outros autores recentemente, especificamente Marcelo Braz e José Paulo Netto (Economia Política: uma introdução crítica), eles acreditam que se deva pensar mesmo sobre o sujeito revolucionário - apesar de acreditarem que continuam sendo os operários, já que são os que trabalham diretamente na transformação da natureza e é através da força de trabalho deles aplicada nos materiais de produção que surge a mais-valia.
Por citar sujeitos revolucionários, acredito que Žižek pode acreditar numa transformação radical. Apesar de dizer que acha impressionante a capacidade de flexibilização do capital para gerar novos ciclos históricos - algo que é verdade - e deixar meio que no ar a necessidade da "esquerda" de atuar nos meios democráticos liberais para criar coisas que surpreendam este próprio meio, como Allende no Chile.
VOLTAR A PENSAR
O último ponto, o que acredito ser o maior alvo de debate é ele ter tido que entende que na época de Marx tivesse que partir para uma transformação social, 11ª tese sobre Feuerbach, mas hoje se deveria voltar a pensar sobre o contexto atual.
Sinceramente acredito que a análise do contexto atual deva ser feita, até para tentar trazer os conceitos marxistas para uma realidade atual - sem os erros que muitos que vieram depois dele cometeram e os quais deixaram súditos errôneos -, mas com a necessidade de se continuar lutando diariamente (para uma práxis efetiva).
Apesar de neste momento só estar voltado para a análise teórica, penso que a transformação radical só virá com a luta dos trabalhadores.
Ficam aí as questões para possíveis comentários e debates.
4 comentários:
Não existem argumentos para se contrapor ao fato de ouvir uma crítica direcionada à esquerda, Anderson. (digo isso pelo seu quarto parágrafo)
A crítica é mais que necessária. Nós mesmos, marxistas, criticamos a esquerda por diversas vezes pelos seus erros, sectarismos, reformismos, pragmatismos etc.
Em muitos momentos nos esforçamos em criticar mais a esquerda que a própria direita, que fica isolada e esquecida como um "inimigo comum".
Enfim, se críticas à esquerda não fossem necessárias, então o capital não estaria mais hierarquicamente acima do trabalho e as classes sociais inexistiriam. Existem críticas pois algo anda errado.
Esquerda e direita [na concepção política] existem nos dias de hoje, obviamente ("Esquerda hoje" - segundo parágrafo). Mas muitos símbolos e fraseologias antes utilizadas pelos socialistas foram apropriadas pelos neoliberais, o que dificulta um pouco esse entendimento.
Dizer que o PT é esquerda nos dias de hoje, por exemplo, é fazer uma confusão com o conceito da mesma, visto a forma como o Ivo Tonet tratou tal debate em um de seus artigos (Acho que no "Utopia Mal Armada").
As "coisas estranhas" que a esquerda européia defende - como você cita - é mais ou menos uma ilustração do PT brasileiro, se quisermos uma analogia.
Sobre o conceito atual de proletariado, o Sergio Lessa lançou um livro ("Trabalho e Proletariado no Capitalismo Contemporâneo") tratando das teses que propõem um revisionismo de Marx (como parece fazer esse esloveno). É um dos textos mais longos do Sergio, e tem boas discussões até onde vi (não li o livro todo, ainda).
E sobre o último ponto, não entendo a relação feita entre "pensar o contexto atual" anulando o "partir para uma transformação social". Uma coisa não exclui outra, no pensamento marxiano, pelo contrário: interagem e se complementam.
Por hora, é isso.
achei o texto muito bom, e compartilho boa parte do comentário do Mário.
O PT de fato se transforma cada vez mais num "partido de esquerda europeu", ou seja, fraseologia de centro-esquerda, ações de centro-direita e imagem de esquerda. Isso é muito bom para a ilusão das massas, ainda mais por que os políticos burgueses detestam ver um partido operário(partido operário pela sua composição social e nçao pela sua política) governando um país, por isso o PSDB e o PFL, fazem uma "oposição responsável."
Quero apenas aqui falar um pouco do PSTU, ja que faço parte desse partido, e o mesmo foi citado:
"Ah, existe o PSTU como algo mais próximo ao que imagino que possa ser um partido revolucionário. Mas, por enquanto, acredito só nessa proximidade e, por exemplos de atuação mais próximos que vi e de coisas que ouvi, tenho lá minhas dúvidas." isso que você fala, revela alguns dos nossos limites, compartilhos críticas ao meu partido, como por exemplo o sectarismo, em diversos momentos.
Quanto ao fato de sermos revolcionários, é o que nos pretendemos, avançar cada vez mais na construção de um partido de tipo Lêninista, e penso que se vcoê quer estudar de fato algo sobre partidos, Lênin é uma boa pista...
Pois é, Mário e Fabiano. É por isso que sempre tenho a preocupação de colocar esquerda entre aspas quando é algo mais geral, ou falar em "ditos" socialistas. Na maioria das vezes só eles acham que são isso.
Quanto a ler obras de Lênin, vou tentar arranjar um tempo para isso. É que estudos de comunicação, marxianos, futebol e outras coisas q aparecem acabam reservando um bom tempo.