Recentemente é possível notar um verdadeiro revival do debate acerca da flexibilização das leis trabalhistas. Neste momento pós-deflagração da crise econômica o primeiro a pôr em cena mais concretamente esta possibilidade foi Roger Agnelli, presidente da Vale do Rio Doce, que, em 14 de dezembro do ano passado, declarou que estaríamos vivendo uma situação de exceção, logo, precisaríamos de medidas de exceção: a flexibilização das leis trabalhistas.
O discurso da flexibilização, no entanto, não é nada novo. Tanto no Brasil, quanto no mundo, ele passa estar na agenda dos governos que assumiram a tarefa de destruir o Estado Social a partir do início da década de 1970. A queda da taxa de lucros que atingiu a economia durante este período forçou o Estado a adotar a política neo-liberal, que procurou adaptá-lo às necessidades de acumulação de capital em meio a um mercado precarizado e flexível. Nas terras Tupiniquins o primeiro ataque mais frontal ao Direito do Trabalho foi realizado por FHC quando o congresso tentou aprovar o projeto que tornava o contratado mais válido do que o legislado em relação ao emprego.
Acontece que, frente a um mercado evidentemente finito, o setor produtivo não pode mais operar no antigo modelo fordista/taylorista de produção em massa. A sua própria atividade vai depender da absorção de seus produtos por este mercado. Logo, a atual estratégia de produção leva em consideração uma dosagem mais acurada de sua quantidade e qualidade. Para tanto, os custos de produção precisam ser tão flexíveis quanto elas. Então, a mão-de-obra, que se encontra entre os principais custos, não pode fazer parte de um cáculo rígido. Ela precisa ser dispensável no momento em que a atividade do setor seja excessiva em relação à capacidade de absorção do mercado.
O problema é que a mão-de-obra é feita de pessoas. Salvo este pequeno detalhe, tudo estaria de acordo com os planos neo-liberais. Flexibilizar os custos de pessoal significa, justamente, flexibilizar os direitos trabalhistas. No Brasil, por exemplo, o custo social de um trabalhador é relativamente alto, se comparado a outros países (no entanto, é bastante baixo se comparado ao lucro das empresas). A demissão de um trabalhador brasileiro custa ao patrão, pelo menos, 40% do FGTS, o aviso prévio e demais verbas recisórias. Isto torna uma demissão não tão simples quanto os empresários gostariam.
A cantilena da flexibilização trabalhista se vale, em geral, de dois argumentos. O primeiro é o de que, com a redução de direitos e a consequente redução dos custos com o trabalhador, aumentariam os postos de trabalho. Uma doce ilusão que o empresariado tenta passar aos trabalhadores. Em nenhum local em que houve retirada de direitos a taxa de desemprego foi reduzida substancialmente. Muito pelo contrário, além de aumentar o trabalho precarizado, o comum é que as demissões e fechamentos de postos de trabalho continuem. Reduzir a jornada de trabalho para forçar uma maior contratação é algo completamente fora de cogitação para os empresários, claro.
O segundo argumento é encontrado em uma distinção, quase cômica, entre flexibilização e desregulamentação. Segundo os defensores da flexibilização, a desregulamentação sim é que deve ser evitada. Uma total falta de leis que se voltem à relação de emprego não pode ser defendida. No entanto, dos mais moderados aos mais radicais defensores da retirada de direitos encontra-se um ponto em comum: a necessidade de o contratado valer mais do que o legislado. Ou seja, a lei continuará garantindo os direitos dos trabalhadores a 13º salário, férias, licença maternidade etc., porém, o contrato firmado entre empregado e empregador pode afastar todos estes direitos. No fim das contas, o patrão coloca-se em um posto de decisão muito mais confortável do que o empregado que necessita do salário no fim do mês. Flexibilização e desregulamentação acabam tornando-se sinônimos.
Em tempos de crise, o governo brasileiro tem despejado bilhões de reais no sistema financeiro buscando criar um sistema de crédito sustentável. Só no último dia 23, foi feita uma remessa de R$ 100 Bilhões de reais ao BNDES, para ser destinado ao financiamento de iniciativas empresariais. Apesar do fato de que os contratos de financiamento exigem metas de abertura de postos de trabalho, não há nenhuma penalidade prevista para o caso de elas não serem alcançadas. O que quer dizer: nenhuma garantia de novos empregos pode ser esperada a partir daí. Não é surpreendente que o Estado seja solidário ao Capital em tempos de crise. Surpreendente será se todo o discurso de flexibilização dos direitos dos trabalhadores não render frutos, afinal, a reforma trabalhista vem sendo prometida pelo PT desde o primeiro mandato.
Quanto a Roger Agnelli e a Vale do Rio Doce, apenas pequenas curiosidades: o último repasse aos acionistas da empresa totalizou R$ 2,5 Bilhões. Nada mal para o segundo maior complexo de mineração do planeta que, desde seu leilão à iniciativa privada, aumentou em 40 vezes o seu patrimônio. Ainda assim, os custos trabalhistas foram a razão dada pela empresa para a demissão de 1300 trabalhadores no fim do último ano, bem como para a licença remunerada que reduz à metade os salários e afasta os empregados do serviço. A pergunta que fica no ar é: O que será mais caro, os direitos dos trabalhadores ou lucro dos acionistas?
A resposta é clara: ê-lê-lê.
1 comentários:
Pois é, desde que as reformas neoliberais começaram que muito se fala dessa "suposta" reforma trabalhista. Fim de 13º e diminuição de férias são alguns pontos que foram citados. Caduquice da CLT e necessidade de reduzir direitos para gerar mais empregos formais (como você fala no quinto parágrafo) são os argumentos preferidos dos parlamentares.
Agora, com essa Crise Econômica, fica a oportunidade para que a reforma saia do papel. O que seria uma desgraça completa para a classe trabalhadora brasileira!
Interessante é que, dentro deste assunto, o Jornal da Globo exibiu na semana passada uma reportagem, mostrando que os trabalhadores de uma fábrica no estado de São Paulo fizeram um abaixo assinado aceitando a proposta de redução salarial da empresa. O sindicato, em contrapartida, não aceitava qualquer redução salarial ou demissões (postura mais que correta!).
Mas aí é que vem a grande contradição: os trabalhadores, ao invés de lutarem com o sindicato, passaram a lutar contra o sindicato e ao lado dos patrões. Convocaram uma assembléia para aprovar um parecer favorável a redução salarial e de carga horária...