O transporte público de Maceió sofreu novo reajuste tarifário no último dia 4, passando de R$1,80 para R$2,00. O que já era um valor elevado – levando-se em conta para tal mensuração: 1) o tamanho da cidade; 2) a qualidade e quantidade da frota; 3) a falta de terminais de integração (gerando a necessidade de se pegar mais de uma condução) e de formas alternativas de transporte e locomoção (exemplos: metrô e ciclovias); e 4) a condição sócio-econômica da população consumidora do serviço – ficou 11% mais caro.

Entre as 27 capitais brasileiras (incluindo o Distrito Federal), Maceió tem a 12ª tarifa mais elevada (dados coletados em 12 de janeiro). Mas como é possível para a população pagar o 12º valor mais alto quando, de acordo com os últimos números do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), publicados em 2005, estamos em 27º entre 27 concorrentes?


No IDH específico para renda – já que o índice avalia como critérios educação, expectativa média de vida e renda anual per capita – estamos em penúltimo, acima apenas de São Luís-MA (0,589 x 0,570). Fica aí mais uma questão – a meu ver, a principal! – para questionar o valor da tarifa maceioense.

Dos 30 dias do mês, tiramos oito como sábados e domingos. Restam 22 dias úteis. Para um trabalhador deslocar-se ao emprego e voltar para sua casa o custo sai por R$4,00. Nos 22 dias do mês, tal custo atinge o valor de R$88,00. Como o salário mínimo hoje é de R$415,00 (passará a R$464,72 em 1º de abril), a passagem de ônibus maceioense consome 21,21% da remuneração mensal de um empregado comum apenas de deslocamento ao posto de trabalho, um percentual nada insignificante.


Não é a toa que a evasão escolar e o número de ciclistas (inclusive de ciclistas mortos) aumentam a cada elevação de tarifa: a população, que já possui muito pouco para sua subsistência, fica sem condições de pagar o reajuste. E os efeitos disso são percebidos a curto e longo prazo, seja com o aumento da criminalidade nas periferias, seja com a não consecução de uma escolaridade básica pelas classes subalternas – fator que virá a influir de modo negativo e determinante na divisão social do trabalho para milhares de indivíduos.

De fato, o transporte público deixar de ser um serviço/direito básico e fundamental para se tornar um inibidor da socialidade e do desenvolvimento social perpassa por uma total inversão de valores e prioridades. Em muitos países o transporte público é subsidiado e gratuito, pelo fato do deslocamento eficaz da força-de-trabalho e dos consumidores ser positivo e essencial para a vida da indústria e do comércio. No Brasil, contudo, o capitalismo se estruturou de modo mais perverso (numa vertente de capitalismo colonial) e essa positividade não foi aplicada.

Para velar esse problema e justificar o alto valor, já chegaram a veicular na televisão propagandas do setor de transporte público baseadas em falseamentos da realidade descomunais, como que o deslocamento da classe média que possui direito de meia-entrada é pago pela população pobre com a necessidade dos empresários em se aumentar a tarifa.

Sem dúvidas, um engodo. A meia-entrada é um direito concedido pelo Decreto nº 37.154, de 15 de maio de 1997, portanto faz parte de uma normatização jurídica legal. A meia-entrada, como versa o Decreto, não é uma entrada inteira, portanto não concede aos empresários do setor o direito de embutir a metade não paga pelos estudantes na conta de quem já paga a tarifa em sua totalidade. O mesmo argumento serve para as gratuidades concedidas por Lei aos idosos, deficientes, gestantes, algumas categorias de servidores públicos etc.

A falta de um movimento sindical organizado para confrontar tais abusos chega a ser anacrônica, pois esta é sim uma pauta de interesse da classe trabalhadora como um todo: um transporte público de qualidade e acessível para todos. Quem mais utiliza o transporte coletivo são justamente os trabalhadores.

Com esse desfalque, contemporaneamente foi o movimento estudantil quem assumiu para si a pauta e passou a empreender lutas nos últimos anos contra o aumento da tarifa e pela transformação da meia-entrada em passe-livre estudantil.

Mas a lacuna deixada pelos sindicatos está sendo muito mal preenchida pelas entidades estudantis, tanto por limitações políticas quanto financeiras. Para citar alguns dos motivos que levaram aos insucessos na viabilização das reivindicações nos últimos anos:

1. Os atos se tornaram mobilizações cíclicas e viciadas

Não existem outras alternativas diferentes em relação a mobilizar estudantes no Centro de Estudos e Pesquisas Aplicadas (Cepa) para empreender uma passeata até o centro da cidade e – depois de algumas horas – ver a manifestação esvair-se, no maior dos voluntarismos.

E essa d
esertificação de possibilidades de ação não se dá por acaso: o trabalho de base para elucidar a população da necessidade de se lutar por um transporte melhor e mais barato inexiste.

O movimento nunca mobiliza base nenhuma, nunca começa do início do processo, mas sim do seu auge, convocando um ato público de massa – que tem ficado cada vez menor com o passar dos anos, demonstrando o desgaste – como se estivesse preparado para isso. O movimento elimina etapas políticas e cai num taticismo que levou a uma impossibilidade qualquer ação efetiva nos períodos em que o Cepa encontra-se de férias.

2. A organização para a luta só se dá nas vésperas ou pouco depois do reajuste tarifário

Aqui se encontra um imediatismo barato. Só se pugna por um transporte público de qualidade ou pelo passe-livre quanto o aumento é ou está para ser aprovado. Mesmo sabendo que no final do ano isso acontecerá, não há nenhuma mobilização ou reunião para planejamento prévia.

Como falei anteriormente, o movimento estudantil tem limitações políticas para intervir nesta pauta. A começar pela sua volatilidade: só se é estudante por um período curto da vida. Depois, por sua centralidade política estar mais aproximada da luta pela educação pública de qualidade, mesmo que o acesso à escola seja parte da luta pela educação, tornam-se mais volumosos no movimento os debates acerca de políticas educacionais do que sobre os transportes coletivos.

É mais comum ver o movimento estudantil empenhado em organizar um encontro que vai servir para nada ou muito pouco, como os muitos que as executivas nacionais de curso realizam (posso usar o Encontro Nacional dos Estudantes de Comunicação Social – Enecom – como exemplo), que vê-lo mobilizando estudantes para lutar por um transporte público de qualidade.

Por isso, depois de duas ou três ações públicas (des)coordenadas que os comitês contra o aumento da passagem e pelo passe-livre realizam em Maceió, tudo se desfaz. O combustível queima muito rápido. E o mesmo ciclo é repetido no ano seguinte, pelos mesmos atores, como um déjà vu.

3. As políticas propostas são repetitivas e ineficientes

Atos do Cepa ao centro. Queima de pneus durante o percurso. Pulas-catracas em alguns poucos ônibus. Entrega de pauta na Prefeitura. E nada mais.

Dentro desse mecanismo viciado, tanto o/a Prefeito/a quanto os empresários do setor já sabem como atuar para aumentarem o valor da passagem e – ao invés de se desgastarem – criminalizar o movimento, como aconteceu em 2001 e 2004.

No lado oposto disso, o movimento não consegue formular nada para além de tais propostas. Mesmo com a consciência de que o ato será um fracasso e nada alcançará, o mesmo é construído sob discursos fervorosos e otimistas. Por qual motivo? Por determinados partidos políticos quererem levantar suas bandeiras numa passeata. Mais nada, puro cinismo e pragmatismo político!

4. Os grupos políticos não conseguem formar uma unidade de ação por mais que um curto período

O movimento já começa rachado e cindido. A pauta só consome os meses de dezembro e janeiro e por ali mesmo desaparece. O desgaste subjetivo após reuniões e ações diretas é catalizado em altíssima velocidade.

Diante de tal situação, não me admira que o movimento – mais preocupado com egos do que com a luta em si – já nasça derrotado.


Para finalizar, de modo muito generalista, eu diria que apenas uma unidade entre os movimentos sindical e estudantil, que possa excluir a vaidade das forças políticas que nela se aglutinem, seria viável para formalizar esse processo de lutas.

As lutas, contudo, não devem existir simplesmente em períodos localizados, mas como um continuum, lançando em ampla circulação cartilhas, panfletos e materiais gráficos de agitação em geral, para esclarecerimento da população sobre a problemática do transporte coletivo da capital alagoana.

A partir desse trabalho de base (e somente depois dele!) é que uma nova conjuntura para atuação pode ser delineada. Dentro da atual conjuntura e de seus já conhecidos esquemas de atuação, estamos fadados a fracassar. E a história recente deixa um bom ensinamento sobre isso.

Post-Scriptum 1: As críticas são feitas por alguém que anda de ônibus e participou dos atos contra o aumento das passagens entre 2003 e 2006, construíndo o comitê que organizava as manifestações; e que ainda esteve presente na reunião de formação do atual comitê, no último dia 5 de janeiro.

Post-Scriptum 2: Na última tabela, com os aumentos da tarifa e do salário mínimo, constam todos os reajustes desde que o Plano Real foi adotado na economia brasileira, em 30 de junho de 1994. Naquela data, o valor da passagem de ônibus em Maceió era de R$0,35 e o salário mínimo estava fixado em R$64,79. Em 1º de setembro de 1994 o salário mínimo foi reajustado em 8,04%, passando a ser de R$70,00.
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3 comentários:

On 27/01/2009, 19:36 , Fabiano disse...

Bom ja que ninguém se dignou a comentar, comento... \o/

Bom, a primeira coisa é que como tudo durante esses anos de hegemonia neoliberal, o Transporte foi cada vez mais se transformando em Privado, e o Público deixando cada vez mais de lado, penso que esse texto coloa isso com muita clareza.


Outra coisa, é que... eu tenho muito acordo à crítica feita ao movimento, de novo acho o texto muito lucido...

tenho acompanhado(não aqui em Maceió) a luta pelo passe livre ou pela redução dos preços das passagens!

em geral os partidos tratam esse espaço com algo visando a sua alto-construção, e daí o sectarismo rola solto...

No meu entender, só com uma campanha permanente, que faça a agitação tanto do aumento dos preços, quanto do passe-livre, a partir de um espaço de unidade de ação entre as diversas forças que concordem com essas pautas (passe-livre e contra o aumento da tarifa), que funcione o ano todo, e não apenas quando o aumento chegar, é que poderemos fazer esse trabaçho de base que você fala, não só no meio estudantil, mas no conjunto da classe trabalhadora também.

De fato os diversos grupos e partidos políticos precisam amadurecer mais, deixar o sectarismo de lado e pensar nas necessidades da classe trabalhadora!

Só pra lembrar, sou militante do PSTU, por tanto, não é uma fala A-partidária!!!

 
On 28/01/2009, 23:59 , Jorge lucas disse...

Falando em sectarismo, alguém tem noticias do "ato" paralelo ao do comîtê?

 
On 01/02/2009, 04:48 , Mário Júnior disse...

Postei isso no dia 30, Bicho Grilo! ;)

http://manguewireless.blogspot.com/2009/01/parte-2-o-aumento-das-passagens-e-luta.html

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